25 novembro, 2007

FURACÃO CATARINA E O CARVÃO MINERAL

Rascunho orientador para a palestra a ser proferida no dia 08/11/2007, no Encontro de Integração dos Povos, no Chile, a convite da Rede Brasileira de Justiça Ambiental / RBJA e da FASE/RJ/Brasil. (OBS. Consta também o dramático depoimento do ambientalista na noite do violento furacão Catarina)

Tadeu Santos - Socioambientalista

Descrição resumida dos impactos e conflitos socioambientais resultantes da poluição causada pelo carvão e o depoimento de um ambientalista atingido diretamente pelo furacão Catarina – O primeiro do Atlântico Sul.



QUEM SOMOS
A Organização Não–Governamental Sócios da Natureza foi fundada em 1980, em Araranguá, sul de Santa Catarina, Brasil. A principal razão da criação da ONG foi a poluição do rio Araranguá causada pela atividade carbonífera da região de Criciúma – considerada por muitos anos a “Capital Brasileira do Carvão”. Enquanto movimento ambiental agregou 5 mil associados com carteirinha, inclusive o Papa João Paulo II, na sua primeira viagem ao Brasil, devido a ligação do movimento com a Pastoral da Ecologia. Conseguiu 35 mil assinaturas num abaixo assinado contra a poluição do carvão e recebeu o Troféu Fritz Muller – o mais significativo prêmio ambiental do Estado de SC, sendo também uma das 500 entidades indicadas para o Prêmio Global da ONU. Participamos direta e indiretamente de mais de 15 missões, destacando a mobilização pela criação do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá, no qual ocupamos a primeira presidência. Depois o Pode Legislativo do Município de Araranguá concedeu o título de Cidadão Araranguaense ao Coordenador da ONG-SN, demonstrando com a atitude o reconhecimento pelo trabalho e dedicação às causas sociais e ambientais. Uma das mais significativas conquistas dos Sócios da Natureza foi o desvio da Duplicação da Rodovia BR-101 por fora do perímetro urbano em Araranguá, apoiados pelas mais representativas entidades do município e pela missão de acompanhamento do BID – na época financiadora da obra. Inúmeras outras situações de valorização e engrandecimento da ONG-SN poderíamos descrever, desde a participação no Fórum Social Mundial/2005 até a recente participação na audiência pública promovida pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, onde fomos a única ONG Barriga Verde a ser convidada pela presidência do TCE para o I Painel Referência, no sentido de contribuir com a auditoria sobre a FATMA, o órgão licenciador e fiscalizador do meio ambiente estadual.
OBS. Estamos sendo processados criminalmente em três situações judiciais porque emitimos documentos denunciando a incompetência e omissão das autoridades na defesa da natureza.

LINGUAGEM DE ONG AMBIENTALISTA
Logicamente que as ONGs tem uma linguagem diferenciada dos políticos e governantes, até mesmo da sociedade, principalmente se as mesmas são totalmente independentes de poderes governamentais ou privados. Esta liberdade de expressão tem causado processos judiciais contra nós, como cidadãos, que temos que responder judicialmente contratando advogados com recursos próprios. Ao mesmo tempo em que a mídia dificilmente divulga nossas denúncias, até porque não temos recursos financeiros para bancar publicações (como fazem os carboníferos), e neste ponto nos tornamos impotentes, pois sem recursos financeiros torna-se tudo muito difícil e de certa forma até enfraquece algumas ações da ONG, já que o nosso trabalho é estritamente voluntário.
OBS. Até bem pouco tempo atrás éramos taxados de alarmistas, enquanto que agora é a comunidade científica mundial e a ONU que fazem os alertas ambientais em relação aos impactos que o desenvolvimento desordenado provoca na natureza.

SITUAÇÃO / LOCALIZAÇÃO
A Região Sul de SC é considerada uma das 14 mais poluídas do Brasil de acordo com o Decreto Federal Nº. 85.206 de 1980, devido a brutal agressão causada pela extração, beneficiamento e queima do carvão mineral iniciada no início do século XX, acentuando-se após a II Guerra Mundial com a destinação do minério para a siderurgia na Companhia Siderúrgica Nacional CSN/RJ e a partir da década de 60 para a geração de energia elétrica na usina Jorge Lacerda 856/MW, em Capivari de Baixo/SC.

A FAMIGERADA ATIVIDADE CARBONÍFERA
A atividade carbonífera não é apenas maligna aos recursos naturais, com o comprometimento dos recursos hídricos de três bacias hidrográficas (Araranguá, Urussanga e Tubarão), onde coleta-se água com pH 3, quando a água potável é de 7, além do comprometimento do solo na extração misturando-o com resíduos piritosos e tornado-o improdutivo, com a devastação da flora e fauna, enfim do comprometimento ambiental de toda a biodiversidade regional. A atividade carbonífera é maligna também com os trabalhadores mineiros que se sujeitam a ficar debaixo da terra, muito além dos indesejáveis sete palmos, num ambiente escuro, promíscuo e insalubre, adquirindo a incurável doença do pulmão negro, denominada de Pneumonoconiose, isto com o reconhecimento oficial do estado que lhe dá aposentadoria com 15 anos, uma espécie de escravidão ambiental que arranha violentamente os Direitos Humanos. Além do prejuízo ecológico que comprovadamente a atividade causa aos recursos hídricos, retira a possibilidade de famílias ribeirinhas utilizarem-se da pesca para complementarem a escassa ceia alimentar.

OS PODEROSOS SENHORES DO CARVÃO
As mineradoras do sul de SC são definitivamente exemplos de indústrias que praticam a mais valia obtendo lucros estrondosos com a exploração do homem e do minério, pois seus proprietários criaram poderosos grupos empresariais, adquirindo inclusive órgãos da mídia de âmbito regional e estadual para controlar as informações contrárias aos interesses do setor. Os exageradamente ricos senhores do carvão ameaçam instalar mais usinas a carvão na região, insistindo no projeto da USITESC 440/MW em Treviso/SC, no ante-projeto do Maracajá 375/MW e recentemente o Governador do Estado de Santa Catarina anunciou um outro projeto utilizando o sistema de gaseificação. O lobby do setor domina a classe política regional e estadual, com representantes, defensores ou mesmo simpatizantes nas Administrações Municipais, Assembléia Legislativa, Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Com a aproximação da política governamental conseguem subsídios, isenção de impostos e benefícios ao carvão, mais que qualquer outro setor produtivo.

O CONDENADO CARVÃO AINDA RESISTE
Uma Ação Civil Pública iniciada pelo MPF, em 1993, em Florianópolis, resultou numa sentença judicial, em 2000, condenando a recuperação ambiental várias mineradoras, a União via CSN na época estatal (hoje privatizada) e o Estado de Santa Catarina via FATMA, pela omissão, mas inexplicavelmente conseguiu sair da condenação. Uma outra ação condenou a usina Jorge Lacerda Tractebel/Suez a indenizar todas as pessoas com problemas pulmonares no município de Capivari de Baixo e a elaboração de um outro EIA-RIMA. Apesar de tudo, pouco reverteu em benefício da natureza, o rio Araranguá e Urussanga continuam com baixíssimos índices de acidez, um flagrante e óbvio crime ambiental. A multinacional Tractebel/Suez continua a emitir gases venenosos e de efeito estufa dia e noite sem parar com seus 856 MW, comprometendo a biodiversidade da região num raio/distância de até 300KM, atingindo dois Parques Nacionais (Itaimbezinho/RS/SC e São Joaquim/SC), uma Reserva Biológica Estadual (Aguaí) SC e a APA da Baleia Franca, além é claro da incontrolada emissão de CO² na atmosfera, contribuindo com o aquecimento global e resultando num assustador e perigoso desequilíbrio da climatologia da terra. Portanto, queiram ou não, a queima de carvão mineral ainda é uma das mais comprovadas causas do atual desequilíbrio da camada de ozônio.

A RESISTÊNCIA A PERMANENTE AMEAÇA
A resistência contra a poluição do carvão é incessante, já que o setor carbonífero não desistirá facilmente das imensas reservas do combustível fóssil no sul de SC (com reservas previstas para mais 100 anos). A partir do final da década de 90, passamos a aproximar-se das comunidades rurais onde as mineradoras anunciavam a instalação de minas, participando ativamente nas audiências públicas e outras atividades ligadas às questões sócio-ambientais, criando uma espécie de parceria contra os gananciosos e exageradamente ricos donos de minas. Destacamos a histórica resistência comunitária agrícola do Morro Estevão e Albino, em 1997, em Criciúma, onde numa violenta sessão na Câmara de Vereadores foi proibida a mineração na APP e a heróica resistência na localidade rural de Santa Cruz, no município de Içara, onde está correndo processo judicial no Pleno do TJ do estado de SC. Através da internet, nos comunicamos com outras ONGs e redes, denunciamos e repassamos informações à mídia. Este meio de comunicação tem sido nosso aliado contra a poluição não só do carvão, como também de outras questões.

OUTRAS AGRESSÕES
Além do carvão, do lixo, do esgoto, a rizicultura detonou com a Mata Atlântica entre o Oceano e a Serra Geral (100 mil hectares), as matas ciliares e as nascentes da planície, desfigurando junto com as áreas degradadas do carvão (6 mil hectares), totalmente o verde na região – um claro início de desertificação, basta verificar nas imagens de satélite do Google Earth. Como a rizicultura necessita de uma imensa quantidade de água para irrigação, o Estado com recursos do Pró-Água da ANA e com a política do Ministério da Integração que usa recursos do Banco Mundial, está tentando aprovar o projeto da Barragem do Rio do Salto em Timbé do Sul, como forma de resolver o problema dos rizicultores, mas complicando a vida de agricultores que terão que deixar suas terras para o reservatório de 60 milhões, mais uma injustiça social e ambiental no sul de SC.

O INÉDITO FURACÃO CATARINA
O inédito e inesperado furacão Catarina, provavelmente formado a partir do aquecimento das águas do Atlântico Sul, ‘’escolheu’’ justamente a região sul de SC como epicentro em toda a imensa costa do Atlântico Sul para destruir e causar medo na população. (Seria uma vingança do Deus Eólo?). Registra-se que a região Sul de SC é detentora das enchentes mais violentas do país, a de 1974 causou a maior tragédia do Brasil, com o maior número de vitimas (mais de 200 pessoas e 60 mil desabrigados), a da noite do natal de 1995, 29 pessoas foram arrastadas para a morte com a violência das águas de uma super-nuvem que caiu inteira nas encostas dos Aparados da Serra (conforme fotos em anexo), na localidade chamada de Figueira no município de Timbé do Sul / SC. Na região também ocorrem ciclones e tornados, principalmente em Criciúma.

O MEDO E O PÂNICO NA NOITE DO CATARINA (Depoimento).
No início da madrugada de 28 de Março de 2004, apesar do alerta em cadeia de rádio e televisão no período da manhã pelo Governador do Estado, poucas pessoas deram atenção ao comunicado que alertava sobre a ocorrência de uma forte tempestade na região. Apesar de me considerar ambientalista e uma pessoa bem informada, não levei muito a sério o alerta, afinal sempre convivi normalmente às enchentes que ocorriam na região. Mesmo não tendo dado atenção ao comunicado, fui a Criciúma – capital do carvão, assistir a uma formatura. Procurei voltar para casa mais cedo e determinei que sairia do evento precisamente as 24:00 hs, mas não obedeci o acordo e só saí as 00:15 hs. O atraso de 15 minutos determinou a minha enrascada ambiental, pois ao chegar à rodovia BR-101 senti que não era apenas uma tempestade violenta como tantas outras que havia presenciado ao longo da minha vida, as milhares de folhas de árvores na pista deram o sinal do que estava por vir, quanto mais me aproximava de Araranguá, mais folhas e galhos de árvores invadiam a pista da rodovia federal e pouquíssimos veículos transitavam. Quando estava para chegar na divisa entre Maracajá e Araranguá, bem na reserva de Mata Atlântica localizada ao lado pista da rodovia, tive que começar a desviar de troncos de árvores no meio da pista, foi quando também a tempestade começou a aumentar de forma assustadora, com ventos de 200KM/hora jogando pingos d”água com violência nunca vista em toda minha vida. Apavorado liguei para minha esposa para saber como ela estava, quando respondeu chorando que não sabia mais o que fazer já que havia quebrado o vidro da porta da sala, que estava preocupada com os filhos em Florianópolis, com os seus gatos que haviam sumido, com o meu coração que havia enfartado um ano antes e com os parentes... Tentei sair do carro porque um caminhão estava atravessado na pista, balbuciei algo com o motorista que estava na pista quando entendi que o mesmo estava dando sinais que era para eu voltar, o que fiz o mesmo quando vi uma Van atrás tentando sair do meio de uma galhada de árvores. Quando estava manobrando para voltar, uma árvore caiu na pista e entrei na galhada quebrando o farol, espelho e para-brisa, tornando complicada a direção do veículo. Isto já era 00:45 hrs e então consegui manobrar o carro e voltar para próximo de um posto de combustível em Maracajá. Depois de algum tempo fui até o posto para tentar ligar para minha esposa, já que o celular não tinha mais bateria, como sempre acontece nos filmes, e para minha surpresa alguém gritou que era para tirar os carros pois o telhado estava para cair e de fato caiu, claro que a tempo de retirar o veículo. Por volta das 01:30 hrs a tempestade parou e houve uma certa vibração para quem ainda estava no posto, foi quando consegui ligar do escritório pra minha esposa que já estava mais calma, pois havia conseguido contactar com os filhos e parentes. Não sei precisar exatamente quanto, mas acho que a calmaria durou 30 minutos e voltou com mais intensidade, só que o que já tinha que cair já tinha caído. A interrupção da pista causou transtornos de quase 60 KM e só foi desobstruída por volta das 11: 00 da manhã, quando finalmente consegui chegar em casa.
Lembro que escrevi na época um texto onde imaginava uma situação de intensa dramaticidade semelhante se acometesse a todos os gananciosos degradadores ambientais, como uma forma de fazer com que no mínimo refletissem profundamente sobre o mal que causam provocando a natureza.

AS AUSENTES E DISTANTES POLITICAS PÚBLICAS
A ausência de políticas públicas, tanto do Estado quanto da União, voltadas à preservação ambiental com objetivos definidos de reduzir os impactos dos fenômenos naturais, das adversidades e mudanças climáticas, mostra o descaso dos governantes para com a segurança da população, principalmente dos ditos excluídos ambientais que vivem em ambientes vulneráveis aos impactos causados pela violência da natureza. É preciso urgentemente à adoção de medidas preventivas e de adaptação a qualquer fenômeno natural, desde a violência das enchentes, que no natal de 1995 vitimou 29 pessoas resultante de uma nuvem que caiu inteira nas encostas dos Aparados da Serra, dos tornados em Criciúma e de possíveis outros furacões, afinal estatísticas demonstram que aonde houve a ocorrência de um, outros vieram atrás, e isso é assustador, principalmente para quem sofreu o pânico e teve prejuízos materiais.

O PROTOCOLO DE KIOTO, A AGENDA 21 E O ART 225 DA CB.
A utilização do carvão mineral – o combustível fóssil mais poluente do planeta contraria frontalmente com as diretrizes do Protocolo de Kioto e os princípios da Agenda 21, que carinhosamente propõem a utilização dos recursos naturais de forma que não comprometa o direito e a sobrevivência das futuras gerações. Então por que não deixarmos esta potencial reserva natural para as futuras gerações utilizarem numa emergência ou quando descobrirem forma honestas de exploração e queima do carvão? A ganância do lucro achará um absurdo esta proposta, como achará qualquer outra que contrarie os interesses do mercado e do dinheiro a qualquer custo.

A SOCIEDADE CIVIL E A DIFICIL ADAPTAÇÃO
Em 2005 realizamos o Primeiro Encontro sobre Fenômenos Naturais, Adversidades e Mudanças Climáticas na região do Furacão Catarina, em Araranguá, onde registramos a presença de 700 pessoas ligadas principalmente à rede de educação da área afetada pelo furacão. Uma das propostas resultantes do encontro foi da colocação de um sensor/bóia no Atlântico Sul para ‘’cuidar’’ de possíveis furacões e/ou qualquer tempestade, no qual a Marinha do Brasil está estudando a possibilidade através de um projeto denominado de Ação Transversal – Previsão de Fenômenos Meteorológicos Extremos’’. Com a coordenação dos Amigos da Terra de POA, realizamos oficinas temáticas de adaptação nos principais municípios afetados pela violência do furacão Catarina.
OBS. A falta de recursos impossibilitou a realização do Segundo Encontro, resultado da falta de consciência dos governantes locais que não acreditam e não investem em prevenção.

ENERGIAS RENOVÁVEIS
O mundo inteiro aponta as energias renováveis como a melhor solução para o planeta Terra. O Brasil tem potencial eólico e solar a curto prazo, desde que o governo adote políticas para tal, com incentivos e subsídios, como também pode investir nas pequenas hidrelétricas PCH e mesmo na biomassa. Próximo a região já existem eólicas em atividade como a de Osório/RS e de Bom Jardim da Serra/SC, além de um projeto para Laguna/SC.

A PROPOSTA
Só existe uma alternativa: Sugerimos a paralisação gradual do uso do carvão mineral na geração de energia e a transferência dos subsídios, isenções e benefícios aos projetos de investimento que aportem energias renováveis de comprovada eficiência e sustentabilidade ambiental, como a eólica, solar e biomassa.

A SOLUÇÃO
Dentro deste caótico cenário no Sul de Santa Catarina encontram-se injustiças sociais e ambientais de aparente difícil solução, na qual acreditamos que a implantação de programas de educação ambiental acompanhados de propostas transparentes, sérias e de profunda abrangência, poderão num médio prazo criar possibilidades de mudança nos corações e mentes dos poderosos industriais, políticos, governantes e mesmo da população, que anda ocupadíssima com a sua sobrevivência!


Araranguá SC, 01 de Novembro de 2007.


Sócios da Natureza
ONG fundada em 1980 para defender o Rio Araranguá da poluição do carvão e uma melhor qualidade de vida para a região sul de Santa Catarina, de forma transparente e comprovadamente voluntária.


socionatureza@contato.net

Telefone: (48) 35221818 / 99850053
Araranguá - Santa Catarina - Brasil

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