30 dezembro, 2010

MANIFESTO E DESABAFO DE UMA PEQUENA ONG AMBIENTAL

MANIFESTO (E DESABAFO) DE UMA PEQUENA ONG AMBIENTALISTA:
O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM AS COMUNIDADES QUE DEFENDEM O MEIO AMBIENTE NESTE PAÍS?

(Tentaremos ousar apontar fatos e ações utilizando uma linguagem ‘’ongniana”, como forma de provocar um debate aberto e democrático no meio socioambientalista)


Quando propomos a reedição do ‘’Encontro Nacional de Entidades Ambientalistas Autônomas’’ (ENEAA) foi em decorrência de um conflito surgido dentro da bancada ambientalista do CONAMA, possivelmente resultante de uma disputa de egos não resolvida no mandato anterior, quando quatro ONGs se rebelaram contra as outras sete que formam a bancada de onze, sendo duas de cada região do país, portanto, um total de dez, complementando com onze com uma ONG de representação nacional, eleitas de forma democrática. No mandato do qual integrávamos de 2009 a 2010, pela região sul do Brasil, mais precisamente SC, RS e PR, estava aparentemente tudo bem até surgir a eleição para a Comissão Permanente (CP) do Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA), com desdobramentos imprevisíveis, inacreditáveis e constrangedores, que não vale a pena aqui comentá-los, pois corre o risco de reativá-los, contrariando mais uma vez a ‘’Carta de Princípios’’ do CNEA.
O grande argumento para a realização de uma versão do ENEAA 2010 tinha como objetivo a estratégia de aproximar as ONGs/Entidades Ambientalistas de todas as regiões do Brasil, com o intuito de com isso promover o fortalecimento de todos os coletivos socioambientais de comprovada atuação em prol da proteção da natureza e de compromissos com a incessante busca por uma melhor qualidade de vida à população no uso dos recursos naturais, sem comprometer as necessidades e os direitos das futuras gerações. A idéia avançou dentro do CONAMA e conseguimos condicionar a participação de outras ONGs e Coletivos, não necessariamente vinculados ao CNEA, dando assim uma conotação de independência na construção do formato do ENEAA 2010.
Quando para nossa surpresa alguns coletivos de redes convidados não responderam e outros manifestaram discordância em participar do Grupo de Trabalho, criado para debater qual o formato mais adequado. Estranhamente recusaram-se a participar de uma reunião que discutiria a realização de um evento compromissado com aglutinação e integração na formulação de políticas públicas ambientais que viessem a convencer os governantes a adotarem de fato. Dois representantes de coletivos compareceram nas duas reuniões que ocorreram e um terceiro tentou participar, mas houve resistência por parte de alguns integrantes da bancada. Foi neste exato momento que percebemos que as coisas no meio ambientalista não são tão difíceis como a gente pensa, na verdade são piores do que se imagina. Pegando carona numa acertada anotação de um mestre da física especialista em energia, que muito admiro e que recentemente lançou a seguinte reflexão: ‘’Dividir é sempre possível, e em geral interessa ao governo e ao capital. Unir é muito difícil quando a causa é nobre, o inimigo é forte, as dificuldades crescentes’’.
De qualquer forma elaboramos uma espécie de proposta/projeto e apresentamos ao MMA na expectativa de que custeassem o ENEAA 2010, fornecendo passagens, hospedagem, alimentação, além de toda a infra-estrutura necessária para o devido funcionamento do mesmo. Por ser ano eleitoral, propusemos para depois do primeiro turno, como forma de chamar atenção dos candidatos acerca dos conflitos regionais e nacionais, que seriam apontados no ENEAA. Nas negociações, o MMA pediu para que se prorrogasse para depois do segundo turno, do qual prontamente concordamos, uma vez que havia tempo para realizar no ano de 2010. Se a causa foi em decorrência do período eleitoral que impediu o governo (MMA) de apoiar o ENEAA ou se foi por receio das criticas que certamente sairiam de várias regiões do país ao governo, o real motivo ficará sem resposta por enquanto.
Não adianta o governo dizer que não receia o que os ambientalistas vão falar ou que o setor produtivo não está nem aí para as ONGs, porque está preocupado sim. E é esta diferença de interesses que está aumentando cada vez mais neste país, muito devido à falta de diálogo entre as partes. Não significa dizer que, se começarmos a conversar, tudo será resolvido no âmbito do meio ambiente. Nem tudo se resolverá, mas certamente o abismo se reduzirá com os recuos que ambas as partes, devem adotar de forma sábia e soberana, para que então os avanços ocorram. Existem milhares de exemplos de casos de conflitos que foram solucionados por meio de comunicação respeitosa e diplomática entre os que defendem a preservação ambiental e os que querem produzir. Penso que o próximo governo terá esta oportunidade de aproximar as partes para o diálogo como, por exemplo, via plataforma de um novo Marco Regulatório que consolide uma relação harmônica e construtiva com o estado, o próprio governo e a sociedade.
OBS. A Ministra Izabella Teixeira, talvez por saber da nossa revolta manifestada no dia anterior na reunião preparatória para a 100ª Plenária do CONAMA, ao sair convocou-nos para uma ‘’breve reunião’’ que aconteceu ali mesmo dentro do auditório do IBAMA/CONAMA, porém quase ao ‘’pé de ouvido’’, para de forma diplomática, justificar a posição do MMA, em virtude das complicações do ano eleitoral, de não haver conseguido disponibilizar recursos para a realização do ENEAA 2010, mas que havia determinado a SAIC que reiniciasse o processo de construção do GT ENEAA a partir de janeiro de 2011. Torceremos para que a mesma seja mantida como Ministra do MMA para que a busca pelo equilíbrio ambiental neste país não tenha mais interferência política partidária.
Talvez um dos grandes ‘’nós’’ da questão ambiental esteja nos licenciamentos que permitem e oficializam os impactos socioambientais com a elaboração de EIA-RIMA com parecer favorável ao empreendimento, desde o momento que a equipe multidisciplinar recebe o pagamento pelos serviços prestados à empresa até as hilariantes audiências públicas que nada esclarecem ou redimem dúvidas da população afetada e das tendenciosas licenças LAP, LAI e LAO. Para complicar ainda mais a situação dos recursos naturais agredidos pelo não cumprimento da legislação, surgem os TACs que também não são atendidos na sua grande maioria de forma satisfatória.
Registramos também que, nos espanta a intransigência de ambientalistas de ONGs, Associações, Redes e Movimentos se colocando como donos da verdade e auto-suficientes em sabedoria e conhecimento. Muitos inclusive se consideram até “donos do pedaço”, pois não aceitam apoio e nem apóiam outras ONGs e movimentos. No entanto não é apenas esta mania de territorialização que dificulta avanços na diplomacia ambiental brasileira, outro fator inquietante é a sensação do caráter individualista que assumem alguns conflitos de ordem local/regional ou de teor específico, havendo grupos e/ou coletivos que não concordam ou não permitem discussões acerca de outros problemas que não sejam aqueles dos quais estão engajados, as vezes até de âmbito nacional. Existem coletivos que deveriam rever suas autoritárias posições na defesa daquilo que apenas interessa ao grupo que coordena, porém na verdade esta premissa é valida também para as próprias ONGs/Entidades que os compõem.
Outra realidade que nos assusta é a quantidade de ONGs que se cadastram como OSCIPs para garimpar recursos para projetos, que ao não conseguirem nada, nada então fazem pela preservação ambiental. Muitas delas são ONGs estrangeiras que produzem boas ações e outras, ONGs estrangeiras que nada fazem e tiram o espaço de ONGs brasileiras. Neste caso falta uma regulamentação federal exercesse maior protecionismo às ONGs genuinamente brasileiras.
Sempre que possível menciono ‘’o caso do fazendeiro” que se preocupava exageradamente com o trigo dos vizinhos, ajudando-os sempre no plantio e na colheita. Um dia, alguém o questionou porque ele não utilizava o tempo apenas com a sua plantação. O fazendeiro explicou que o seu trigal só poderia ir bem se os dos vizinhos também fossem saudáveis, porque o polén do trigo maduro é levado através do vento, de campo para campo. Disse ele: “Se meus vizinhos cultivam trigo inferior, a polinização continuada degradará a minha colheita ou qualquer praga poderá comprometer todos os trigais’’.
A proposta do ENEEA segue nesta mesma linha de raciocínio. Temos que estar unidos como comunidade ambientalista local, estadual, nacional e global. Precisamos superar os egos de exibicionismo ou de prepotência para com tranquilidade sabermos mostrar aos outros que este mundo é esgotável e que só temos este planeta para viver, por enquanto. A integração e a convivência devem ser buscadas não apenas entre as comunidades ambientalistas. É preciso que saibamos, com paciência e tolerância, trazer outros que ainda não conseguiram perceber a intensa possibilidade de entrarmos em colapso num breve espaço de tempo, conforme demonstrado no livro “Colapso” do escritor Jared Diamond, onde várias civilizações abusaram dos recursos naturais como a água, o solo e a flora, transformando verdadeiros paraísos em desertos, como no caso do Colorado, nos EUA.
Todos os biomas deste país estão em processo de intensa degradação ambiental em nome de um modelo desenvolvimentista e imediatista, a tal da ganância infecciosa apontada por um dos gurus do capitalismo, o ex-presidente do FED Alan Greespann. Não fosse a protecionista legislação ambiental brasileira, o setor de produção já teria comprometido grande parte dos recursos naturais, como ocorreu em outros países. A ameaça ao Código Florestal começou quando foi aprovado o Código Ambiental do Estado de Santa Catarina permitindo abusos em relação à mata ciliar e a mata nativa em encostas, mesmo depois da tragédia de novembro de 2008, no Vale do Itajaí e de tantas outras no sul de Santa Catarina.
Não é apenas para a Amazônia que devem ser direcionados todos os olhares dos coletivos socioambientalistas e dos órgãos federais, mas também para o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica, o Pantanal e para o Pampa. Porém quando se fala em meio ambiente e mudanças climáticas no Brasil, a Amazônia absorve 90% das atenções. Sem dúvida alguma a Amazônia é o bioma mais significativo em todos os aspectos e o único a chamar atenção dos países do norte e da mídia mundial. Aqui entra o exemplo do trigal: todos os biomas devem receber atenção.
Por exemplo, as tragédias do clima estão ocorrendo em todo o Brasil, mas com mais intensidade e frequência no sul do país, principalmente em Santa Catarina, porém ninguém deste país quer saber ou preocupar-se em adotar medidas de prevenção e de adaptação para estas regiões comprovadamente atingidas/afetadas. No Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC), o órgão governamental não mencionou a ocorrência do furacão Catarina – o primeiro do Atlântico Sul. Tanto nas políticas voltadas às mudanças climáticas, como nas relacionadas às questões energéticas. A queima de combustíveis fósseis não entra na pauta dos governos e muito menos dos coletivos socioambientais. No Brasil, muitos dados e informações sobre as emissões de CO² são manipulados. Não existe legislação específica para monitorar gases de efeito estufa porque os legisladores dizem que eles (os gases) não causam mal à saúde pública...(sic)
Outras aberrações que constatamos neste país são comunidades indígenas do sul que não tem o mesmo tratamento que as da Amazônia; colonos que ainda praticam a agricultura familiar não têm os mesmos benefícios que os detentores do agronegócio; pescadores artesanais não passam fome porque tem peixe pra comer, porém sofrem para tê-los devido a poluição das águas; mineiros que se submetem a trabalho escravo no sul de SC não são considerados nem por grupos que defendem direitos humanos; pessoas de cor negra sentem na pele, diariamente, a discriminação e preconceito racial não apenas no sudeste ou no nordeste; a classe operária continua sonhando com o paraíso trabalhando para sustentar a mais valia do capital e assim vai... A injustiça socioambiental está em todos os lugares deste país. Só não vê quem não quer enxergar, ou se omite por receio de represálias resultante da maldade dos políticos corruptos e empreendedores safados que mandam neste país!
Daí a importância e responsabilidade do ENEAA promover a aproximação e a integração com a elaboração de um ‘’Levantamento das Vulnerabilidades Socioambientais de todos os Biomas Brasileiros’’ deste imenso e glorioso país, nos mesmos moldes adotados pela RBJA, que inaugurou o inovador e prestativo ‘’Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil’’. Novo governo e novo decênio geram expectativas em todas as camadas sociais e novas esperanças se re-aglutinam nos corações e mentes dos brasileiros. Não podemos deixar que a bancada ruralista, da Frente Parlamentar do Carvão e outros poderosos lobbies com maquiavélicas manobras continuem a nos derrotar nas batalhas que travamos diariamente para defender a frágil biodiversidade deste único planeta onde temos para viver. O grande desafio é ousar apresentar o atual cenário desta batalha num mural simbólico que permita acompanhar as derrotas e vitórias destas batalhas que estamos perdendo a cada minuto, dia, semana, mês, ano e década que passa, mas que ainda não perdemos a guerra, pois ‘’não tá morto quem peleia!’’
Não estaremos mais no CONAMA em 2011 porque não participaremos da reeleição para o mandato 2011 a 2012, procurando respeitar o acordo firmado entre as Entidades Ambientalistas/ONGs da região sul (PR, SC, RS) que mantém um rodízio a cada dois anos, sendo que desta vez a vaga de Titularidade será do RS (até 2012) e do PR (até 2014). Tentaremos uma vaga de suplência objetivando manter a Câmara Técnica das Atividades Minerárias, Energéticas e Infraestrutura das quais lutamos pela reativação da mesma, em função dos intensos impactos socioambientais causados pela extração, beneficiamento e queima deste famigerado combustível fóssil na geração de energia (isto se a CTAMEI não for desativada como sugeriu a CIPAM por vontade da CNI); ampliar a composição da bancada ambientalista com uma vaga para cada Estado da Federação. Afinal, se cada Estado tem um representante, porque as Entidades Ambientalistas também não podem ter seu representante no Conselho de Meio Ambiente deste país. Não queremos e nunca aceitaremos salários aos Conselheiros do CONAMA, mas continuaremos reivindicando diárias compatíveis com o modo de vida que mantemos em nossas respectivas cidades e para finalmente continuar na luta pela realização do ENEAA em 2011, desta vez sem prorrogação e com o custeio do MMA.
OBS. Este documento deverá ser enviado a todos os órgãos oficiais deste país, inclusive para a Presidência da República. Por isso liberamos e solicitamos a distribuição do mesmo, pois estas coisas são como esterco, que quanto mais espalhado mais produz, como dizia o escritor... Esqueci o nome do cara.


Sócios da Natureza
ONG criada em 05 de Junho de 1980 para defender a natureza e uma melhor qualidade de vida para Araranguá e a região sul de Santa Catarina.


(Prêmio Fritz Muller de 1985 e Menção Honrosa do Prêmio Chico Mendes em novembro de 2010, instituído pelo ICMBio e MMA)

Integrante do Movimento pela Vida (MPV) da Região Sul de SC, filiada a Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses (FEEC) e participante do AMS da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), do GT Energia e Clima do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS).

Conselheira Representante da Região Sul do País no CONAMA
e no FNMA Biênio 2009/2011.

’’ TRABALHANDO EXCLUSIVAMENTE DE FORMA VOLUNTÁRIA
E
SEMPRE BUSCANDO OBJETIVOS DE INTERESSE COLETIVO ’’

Rua Caetano Lummertz nº 386/403 – CEP 88900 000 – Araranguá – Santa Catarina
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