03 junho, 2019

Vulgaridade da linguagem do presidente Bolsonaro nos oprime e diminui Palavras chulas, piadas constrangedoras, vastas digressões e pensamentos imperfeitos são lançados todos os dias na esfera pública como gases tóxicos na atmosfera



Vulgaridade da linguagem do presidente Bolsonaro nos oprime e diminui
Palavras chulas, piadas constrangedoras, vastas digressões e pensamentos imperfeitos são lançados todos os dias na esfera pública como gases tóxicos na atmosfera
20/05/2019 - 06h00min
Atualizada em 20/05/2019 - 06h00min
Claudia Laitano
CLAUDIA LAITANO
Você pode achar que a vulgaridade da linguagem é o menor dos problemas do nosso presidente. Sim, há falhas muito mais graves para efeitos de exercício diário do poder – a dificuldade para assimilar (ou ler no teleprompter...) conteúdos complexos e uma certa inapetência para participar de articulações políticas muito complicadas, para citar os exemplos mais evidentes – mas é a forma como Bolsonaro se expressa publicamente que manifesta de forma mais contundente seus horizontes intelectuais e seu caráter. A vulgaridade é um aspecto da subjetividade que expressa não apenas um estilo, mas uma moral.
Sabemos agora que o episódio “golden shower”, durante o Carnaval, foi apenas o primeiro jato (perdão...) de incontinência verbal do presidente, desdobramento natural do comportamento do deputado que, ao contrário das apostas mais otimistas, não se alterou com o novo cargo e as novas responsabilidades. Palavras grosseiras, piadas constrangedoras, vastas digressões e pensamentos imperfeitos são lançados todos os dias na esfera pública como gases tóxicos na atmosfera. Por menor que fosse a expectativa de quem não votou neste presidente, o que estamos vendo (e ouvindo) desce a barra da compostura para abismos nunca dantes atravessados.
Vulgaridade é um termo de origem latina ligado ao homem comum, ordinário, de baixa extração social – o vulgo. Nos dias de hoje, a palavra costuma estar mais associada a aspectos externos, como um vestido muito curto ou justo, do que à origem social ou à educação. Em certo sentido, sempre é vulgar exibir mais do que se deveria em determinado contexto – seja ambição, dinheiro, impulsos primários ou a própria ignorância. A vulgaridade não deixa nada para a imaginação: impõe-se.
Como vivemos em uma época que valoriza a “autenticidade”, a vulgaridade muitas vezes é celebrada como manifestação de um espírito genuíno. Concordo que não há nada mais vulgar do que tentar aparentar o que não se é, mas ser autêntico não é um valor em si. Podemos ser autênticos cafajestes, autênticos estúpidos, autênticos mal-intencionados.
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Bolsonaro vai passar um dia, mas cada piada de quinta série, cada referência escatológica, cada ofensa a um turista estrangeiro ou a um jornalista ficará gravada para sempre nos arquivos históricos e na memória dos seus contemporâneos. Como a porta de um banheiro público, nossa História foi vandalizada pela vulgaridade. E ela nos diminui e oprime.
Para garantir duas horas de imersão completa no tempo da delicadeza e da poesia, tão longe quanto possível da vulgaridade arbitrária, sugiro uma passadinha no cinema para assistir ao documentário Varda por Agnès, comovente testamento artístico da cineasta belga Agnès Varda, que morreu em março, aos 90 anos. Em cartaz no Itaú e no Guion