PREFÁCIO II
Quando o escritor Nilso Dassi me convidou para
escrever o prefácio do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado ‘’O CUSTO AMBIENTAL DE UM PROGRESSO
ECO-DESTRUIDOR: UMA HISTÓRIA DO RIO MÃE LUZIA (1930 - 1970)’’, me
presenteou com um exemplar de seu livro ‘’NOVO
BELLUNO, 1891 – SIDERÓPOLIS, 1943’’, um fiel registro da história deste
município que teve seu nome alterado para homenagear a siderurgia. A obra é tão
fiel que meu sogro Marino Vamerlati já leu mais de três vezes, sempre com o
mesmo entusiasmo da primeira vez, quando relembrou o período que viveu em
Siderópolis de 1930 a 1960.
Toda a elaboração de um prefácio é um desafio
ao convidado, portanto espero que a minha interpretação do brilhante trabalho
corresponda à aspiração do autor como escritor e que, também, de alguma forma contribua
ao ambientalismo e a literatura regional. Esclarecendo que julgo necessário fazer
algumas observações além do período estipulado pelo autor para uma melhor
compreensão da temática abordada.
O autor ao descrever o caótico cenário do
afluente Rio Mãe Luzia demonstrou conhecer bem os conflitos ambientais desta
micro-bacia pertencente à Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá, a mais poluída
do Brasil pela mineração do carvão, do qual fui o primeiro presidente em 2002.
Nilso Dassi, então aluno do respeitável professor
Carlos Renato Carola da UNESC, soube resgatar com maestria e preocupação
fidedigna a história dos imigrantes italianos que iniciaram a mineração do ‘’ouro
negro’’ em Criciúma, promovendo de certa forma uma prosperidade, porém considerada
insustentável, que veio a se tornar a capital do carvão em seu auge na década
de 1970. Prosperidade alcançada com alto preço, pois deixou uma herança maldita
aos recursos naturais, classificado tecnicamente como passivo ambiental,
principalmente a preciosa e escassa água, sem desconsiderar o comprometimento
da qualidade do solo, do ar, da flora e da fauna.
Não bastasse a brutal agressão cometida
contra os recursos naturais, a atividade carbonífera causou danos à saúde dos
mineiros com a doença do pulmão negro, cientificamente denominada de pneumonoconiose
e também a saúde pública da região sul de Santa Catarina. Enfim, comprometeu
toda a biodiversidade, com a emissão de gases venenosos pela queima do carvão
mineral no Complexo Termoelétrico Jorge Lacerda 856MW, de Capivari de Baixo (onde
uma ação judicial condenou a Tractebel/Suez a indenizar pessoas com doenças
pulmonares residentes no entorno da usina).
O que fizeram com o Rio Mãe Luzia é um crime
ambiental imperdoável, pois será muito difícil recuperá-lo, tamanha é a
degradação do seu leito e dos seus formadores, como nascentes, riachos e
córregos. Concordamos com a solução apontada pelo meu amigo físico e professor
Oswaldo Arsênio Sevá, da UNICAMP/SP, de que os resíduos piritosos do carvão
deveriam ser estocados em uma catacumba de concreto para eliminar de vez o
risco de contaminação.
A recuperação ambiental que o setor tanto
alardeia é muito semelhante à maquiagem, ou seja, uma ação paliativa que poderá
em alguns casos reduzir a contaminação dos cursos d’água, lençóis freáticos e
aquíferos, mas sempre haverá um resíduo ali ou acolá que irá comprometer os
recursos hídricos e prolongar por muitas décadas a carência de água potável
para uso humano e animal, devido ao seu baixo pH (água ácida). Não fosse o
reservatório criado pela barragem do Rio São Bento em Siderópolis, o município
de Criciúma e outros da região estariam com sérias dificuldades de
abastecimento de água, contrariando assim frontalmente com os princípios da Lei
Nacional de Recursos Hídricos nº 9.433/97.
A sentença judicial de 2000, assinada pelo
Juiz Federal Paulo Afonso B. Vaz (no qual muitas vezes utilizou minhas fotos
dos lagos ácidos para retratar o cenário), condenando as mineradoras a
promoverem a recuperação ambiental da região carbonífera teve mais uma vez o
prazo prorrogado para o ano de 2020. Porém, não acreditamos que as mineradoras irão
cumprir o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Entendemos que após 2020, possivelmente
outra prorrogação de prazo irá acontecer e assim será enquanto os advogados
agirem na defesa apenas dos interesses dos donos de minas. Se os mineradores
pedem mais prazos é porque certamente argumentam junto aos juízes e
procuradores não haver recursos suficientes para a recuperação ambiental. Mas ao
mesmo tempo as minas de carvão da região são poderosas empresas com capacidade
para construir grandes empreendimentos, como a caríssima termelétrica USITESC e
de possuir rede de hotéis, rádios, jornais e frota com centenas de caminhões.
Seguindo a preocupação levantada pelo Dassi,
um dos caminhos para se reduzir os estragos ao meio ambiente do sul de Santa
Catarina, é acreditarmos como sociedade civil organizada, que podemos
influenciar na elaboração das políticas públicas, cobrando das esferas do
governo federal a responsabilidade de assumir os compromissos internacionais da
redução de emissões de CO², como o exemplo da Portaria 498 do MME que não
permitiu térmicas a carvão (como a USITESC 440MW) participarem do leilão da
ANEEL, em dezembro de 2011. Acreditando também no poder de mobilização social
como as citadas pelo autor sideropolistano: o caso do Morro Estevão e Albino em
Criciúma e a resistência da comunidade rural de Santa Cruz em Içara, acrescentando
ainda a resistência de Araranguá que alterou a Lei Orgânica Municipal, aprovou
diretrizes no Plano Diretor contra a mineração carbonífera e criou uma
legislação específica contra a exploração, beneficiamento e queima do carvão
mineral, a exemplo de Orleans e Cocal do Sul.
O Rio Mãe Luzia é o maior exemplo da falta de
sensibilização ecológica de todos, desde os proprietários de minas, governantes,
políticos, órgãos licenciadores e fiscalizadores, Ministério Público, mídia e a
própria população que deveria ser mais atuante nas instâncias de coletivos,
como nos Comitês de Bacias e os Planos Diretores, por exemplo. Não se pode
deixar um rio morrer, pois ele como as veias do corpo humano é que proporcionam
a vida do organismo Terra!
Trabalhos como este do pesquisador Nilso Dassi
quando bem distribuídos na rede de ensino e repartições públicas, como
bibliotecas e outros espaços podem provocar reflexão, debates e avanços
significativos nos corações e mentes não apenas dos jovens, mas também dos
adultos.
Parabéns escritor Nilso Dassi pela coragem (pois
são raros na região) em manifestar sua discordância com a injustiça ambiental que
fizeram com o ecossistema de um rio que propiciava a vida para microorganismos
e peixes, peixes que alimentavam a população, população que bebia sua água potável
e se banhava no frescor das suas correntezas!
Tadêu Santos - Socioambientalista